24 de mai. de 2013

O rei da solidão

Encontrei na mochila um velho conto escrito em algum momento de desvario. É um conto cruel e de tão cruel o autor criou um final feliz cruel de forçado.


Ele é o rei!

Do trono no centro de seu castelo inexpugnável e frio ele contempla seu passado. Passado que o levou até aquela posição. E do seu grandioso passado repleto de histórias insanas e trágicas, cuja vítima final era a si próprio, lembrou.

E relembra de uma bela acompanhante que encontrou em um orelhão do bairro oriental. A descrição de uma jovem loira o agradou e os custos envolvidos também eram atrativos para sua situação falimentar após o término de mais uma desastrosa paixão. Anotou o número e lá foi ele ao encontro da bela que não imaginara tão bela como realmente era, como era costume na propaganda naquele ramo de negócios.

Ao chegar ao nobre edifício em pedaços se dirigiu até o apartamento indicado e bateu na porta. Foi atendido surpreendentemente por uma loira magra (até demais lhe pareceu) de mais de um metro e setenta, peitos pequenos e cintura fina mas daquele formato de mulher que já tivera filhos. Ele certificou-se de seu nome fantasia e se dirigiram até um dos minúsculos quartos daquela república. A caminho, ela na frente também reparou no bonito andar e no bumbum também pequeno mas aparentemente durinho. Como dizem no ramo, pensou: me dei bem.

Chegando ao quarto havia somente uma pequena e velha cama e uma cômoda. Em seguida olhou e não conseguiu não notar o olhar triste e distante enquanto ela já se despia mecanicamente. Desde aquele momento ele a tratou como uma princesa e em troca deu e recebeu o que fora buscar.

O tempo passou num segundo e como naquele mundo os horários eram cronometrados aproveitou os minutos restantes para conhecer aquela princesa perdida.
Descobriu que moravam em cidades próximas daquela república do minuto, e mais, apenas três estações os separavam.
Ela também tinha uma filha pequena que amava muito, tanto que ao contar não resistiu, levantou-se, desfilou nua com dois passos até chegar à bolsa e mostrar as fotos da pequena princesa cujo pai a abandonou, fato que e a levou a tomar medidas extremas para manter a casa alugada, pagar a creche da menina e comprar roupas e alimento.
Ele também contou suas bobeiras e riram-se das próprias desgraças.

Mas o tempo, o maldito tempo, abreviou aquele encontro, no momento em que sobressaltada ela viu as horas no velho relógio Orient dele. Assim, ele se despediu com um beijo naquela rosto corado e perguntou se ela gostaria de sair com ele de "outra forma", recebendo um sim sem jeito, mas acompanhado de um sorriso que lhe parecia inesquecível.

Dias depois ele ligou para ela e começaram a conversar. De início ela não parecia acreditar no convite, mas ele disse que no final de semana iriam ao cinema e que ligaria de volta.
O fim de semana chegou, passou e ele não ligou.

Mesmo interessado naquela mulher ele enfrentou como pôde seus preconceitos contrários as chamadas mulheres da vida. Tentou argumentar contra sua mentalidade cristã dizendo que iria ser o salvador daquela alma pecadora. Usava argumentos absurdos e julgamentos idem em sua defesa, afinal de contas, como poderia um pecador salvar uma pecadora? Por fim, naquele emaranhado confuso que era sua mente naquele momento, pensou ter convencido a si próprio que o que importava era que se sentiu feliz junto daquela mulher e que valeria a pena avançar e a rever por muitos outros dias, e só ele beijá-la todos os dias em todos os horários possíveis.
De nada adiantou essa decisão, como vimos, pois nada fez para realizá-la.

Passados tantos anos ele já não se lembra muito bem daquele rosto e nem ao menos do nome verdadeiro que ela lhe dissera na primeira ligação após aquele encontro.
Seu agir fora cruel não só com a princesa do pequeno quarto, mas fora cruel com uma parte dele mesmo.
E mais uma vez, como era comum, ele sentiu aquela pontada rude e dolorosa em seu coração despedaçado por tantas más decisões e rompimentos.
E o grande rei permaneceu em seu trono de solidão imóvel relembrando outros amores perdidos até o dia que seu coração finalmente o abandonou.


Janeiro de 2012


Com pena de alma penada como esta fiz um final alternativo:

Mas de repente as batidas voltaram. Ele se levantou tempos depois um amor novo encontrou e radiante aquela mulher abraçou até o final de seus agora alegres dias nos campos da periferia de um reino de outro rei louco.

Nenhum comentário: