14 de ago. de 2011

Emendas parlamentares e corrupção

Nem sempre concordo com o Jânio, mas sua análise deixa claro um dos problemas a enfrentar para diminuir a corrupção. Quem vai carregar essa arca e diminuir o poder excessivo da corja q vive na Câmara, Senado, Executivo e Judiciário?
Só o povo acordando e cobrando!
JANIO DE FREITAS
Emendas sem emenda




Qualquer correção nesse sistema dependeria de seus próprios beneficiários no Congresso


NADA A FAZER - eis a forçosa constatação a respeito de certo tipo de corrupção alta em valor e em localização, e só incomodada por eventualidades raras e superficiais. É o caso dos sempre crescentes bilhões que deputados e senadores dividem entre múltiplas destinações à escolha de cada um, sob o rótulo de "emendas parlamentares" ao Orçamento nacional.
O poder de corrupção dessas emendas, dentro e fora da Câmara e do Senado, ficou demonstrado, há mais de 20 anos, no maior de todos os escândalos na história parlamentar brasileira, batizado de "Anões do Orçamento". Era a descoberta de bandalheiras com o dinheiro de emendas em proveito dos próprios proponentes do montante e da aparente destinação. Com bastante propriedade, a descoberta foi facilitada pelas revelações de um criminoso, assassino, que fora eficiente assessor da Comissão de Orçamento.
As consequências da CPI foram os afastamentos, por cassação de mandato e por vontade própria, de uns poucos deputados, a partir de um relatório suspeitamente caótico, feito da noite para o dia. E do qual vários implicados foram salvos por simples pedido, como se deu com Geddel Vieira Lima, que veio a ser ministro de Lula, salvo da degola naquela ocasião a pedido de Luiz Eduardo Magalhães. A evidência da roubalheira de dinheiro público não foi suficiente para levar seus beneficiários à cadeia. Nem para devolver o embolsado. Mas o pior nem estava aí. Foi a inconsequência para as regras das emendas, preservadas na vulnerabilidade obviamente mal intencionada.
Agora, a desconhecida deputada peemedebista Fátima Pelaes aparece como autora da destinação, por emendas ao Orçamento, de mais de R$ 4,4 milhões para formação de 1.900 servidores em turismo no Amapá, onde não há turismo. É certo que o dinheiro não chegou à finalidade alegada. Como é sabido que a deputada se vê acusada de receber boa parte do dinheiro de suas emendas, entregue pelos pretensos prestadores do serviço inexistente, pago com o dinheiro da emenda. Fátima Pelaes nega, como de praxe, e de fato a acusação ainda não foi investigada, mas nem por isso fica diminuída a utilidade do caso como exemplo.
Não há, mesmo, exigência alguma para fundamentar uma emenda. Tanto faz se o parlamentar propõe verba para construção de uma ponte, de uma estrada, ou meia dúzia de milhões a pretexto de formar um punhado de técnicos em lavagem de copos. Concedida a verba, são ínfimas as probabilidades de que seu destino verdadeiro e completo fique ao alcance de alguma fiscalização. Idem quanto à possível partilha.
Mesmo a utilidade reconhecida de uma emenda é incapaz de indicar a correção de seu uso. As empreiteiras de obras públicas, por exemplo, exercem grande influência na apresentação de emendas parlamentares. Nem seria preciso dizer que os autores das emendas comandadas vão receber parte das verbas liberadas para as obras, mesmo que úteis. Assim também com inúmeras outras finalidades.
A tão falada insubordinação da "base aliada" é uma onda devida, sobretudo, à retenção de verbas pretendidas por parlamentares para suas emendas. Da parte do governo, há o propalado esforço para contenção de gastos, contra a inflação. Entre, porém, a inflação e os cuidados com a crise internacional, de um lado, e de outro a verba da sua emenda, a escolha do parlamentar até antecede o dilema.
Diante disso, o que faz o incumbido de conter, em nome do governo, represálias nas votações da Câmara e do Senado? Ministra de tal tarefa, Ideli Salvatti reivindica R$ 1 bilhão para emendas de deputados e senadores. Alimenta, é a regra, o sistema que se volta contra o governo e, sobretudo, contra a moralidade das relações institucionais e das práticas políticas.
Emendas, por si mesmas, são instrumento para servir a necessidades localizadas da população, por intermédio do serviço dos parlamentares ao seu eleitorado. Na prática, sem dúvida há emendas assim, na Câmara e no Senado, mas é para lá de duvidoso que formem, ao menos, um número razoável. A emenda turística do Amapá não tem originalidade alguma no conjunto das emendas. Mas não há o que fazer a respeito: qualquer correção nesse sistema dependeria de deliberação dos próprios beneficiários no Congresso. A Constituição Cidadã não prevê meio algum que permita à sociedade sobrepor-se ao poder dos deputados e senadores em privilegiar-se, mesmo que no pior sentido.

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