24 de mai. de 2011

Solidão coletiva

Mais que escolha afinada com o individualismo dominante, a solidão é doença, dizem estudos novos segundo os quais estamos vivendo uma epidemia
Daniel Marenco/Folhapress
A atriz Maristela Vanini, 39, que mora em São Paulo

GUILHERME GENESTRETI
DE SÃO PAULO

Solidão virou epidemia. Há mais casas habitadas por uma única pessoa e estamos confiando menos uns nos outros, dizem as pesquisas.
Ainda assim, está cada vez mais difícil ficar sozinho. Basta um clique, e centenas de amigos invadem nossos computadores nas redes sociais.
Estar imerso na internet ou ser rodeado de parentes não muda o quadro "epidêmico", diz o psicólogo americano John T. Cacioppo, que é diretor do Centro de Neurociência Cognitiva e Social da Universidade de Chicago (EUA).
Ele é autor de "Solidão ""A Natureza Humana e a Necessidade de Vínculo Social" (Ed. Record), livro que reúne quase 20 anos de suas pesquisas sobre o tema.
O mote é o seguinte: a espécie humana evoluiu graças às relações entre os indivíduos e ao apoio mútuo ao longo do tempo. A solidão vai na direção contrária à da evolução.
"Ela é como a dor ou a fome. É sinal de que algo não vai bem e que precisamos reforçar os vínculos sociais", afirmou Cacioppo à Folha, por telefone.
Os estudos que o autor conduziu, com estudantes da Universidade do Estado de Ohio (EUA) e um grupo de adultos mais velhos, apontaram que os solitários têm uma qualidade de sono pior do que os demais e estão mais propensos a doenças cardiovasculares e infecciosas.
A explicação também tem um quê darwinista: "A solidão crônica coloca a pessoa em estado de alerta constante, porque ela tem que se defender sozinha", diz.
Como resultado, o solitário passa mais tempo com altas concentrações de cortisol, hormônio ligado ao estresse.
O psicoterapeuta Roberto Golgkorn, que também escreveu um livro sobre o tema, "Solidão Nunca Mais" (Ed. Bertrand Brasil), concorda com o colega. Para ele, uma sociedade sem troca de afetos não consegue evoluir.
"Deve haver um fio que costure a identidade de todos, como em um formigueiro, que mais parece um organismo, enquanto as formigas são as células", diz.

SÓ NA MULTIDÃO
A atriz Maristela Vanini, 39, diz que sabe o que é ser solitária na companhia dos outros. Desde os cinco anos, quando ouvia discos do Carpenters em seu quarto, ela afirma se sentir só.
Ela mora com os pais, que a apoiam. "Mas me sinto incompreendida. Em casa não se fala sobre sentimentos."
Seus pais não viram a primeira vez em que ela subiu em um palco como profissional, dez anos atrás.
"Eu cheguei toda animada para contar aquela emoção, mas estavam todos dormindo. Solidão não é opção", diz.
Para o psiquiatra Geraldo Massaro, nem toda solidão é negativa. "A pessoa pode sair enriquecida da solidão, mesmo com sofrimento. Ela pode refletir sobre a própria vida, amadurecer."
Para o vendedor de livros Leonardo Minduri, 35, a solidão é "nobre".
"Estou na sociedade por obrigação. Se eu tivesse outra opção, estaria na montanha, isolado", conta ele, que se diz um eremita urbano.
Há cerca de dois anos, Minduri juntou dinheiro, colocou barraca e fogareiro na mochila e caiu na estrada.
Alternando entre ônibus e carona, ele partiu de Belo Horizonte, onde mora, e foi até Punta Arenas, no Chile.
Com Minduri, só embarcaram livros: Rimbaud, Nietzsche, Schopenhauer e Fernando Pessoa. "Prefiro a companhia deles do que a das pessoas", afirma.
Depois de seis meses vagando, Minduri começou a trocar mensagens com uma moça que conheceu pela internet. Hoje, eles namoram. Mas ela vive a 150 km de distância dele.

CANTO SAGRADO
Orlando Colacioppo, 45, mora há duas décadas sozinho no centro de São Paulo.
Ele diz não sentir falta de ter alguém com quem desabafar em casa. "Para discutir os problemas, existem os amigos e os botecos."
O caso dele tem respaldo estatístico. Nos últimos 20 anos, segundo o IBGE, o número de casas habitadas por uma única pessoa passou de 7% para 12% no Brasil.
"Quanto mais convivência, mais atrito. Eu quero é curtir meu isolamento, no meu canto sagrado", afirma Orlando.
O designer já dividiu o apartamento com uma namorada por dois anos, mas diz que repetir a experiência seria difícil. "Se eu cair de amores, espero que ela tenha uma casa só dela."

REDES SOCIAIS
Compensar solidão física com centenas de amigos no Facebook não resolve, segundo o psicólogo Cacioppo.
"É como tentar matar a fome com aperitivo", compara. "A interação ali é eletrônica, a pessoa não é parte da vivência do amigo."
Para Sherry Turkle, psicóloga e professora do Massachusetts Institute of Technology (EUA), muitos optam pelos relacionamentos na rede por medo de contato íntimo.
"Estar conectado dá a ilusão de termos companhia sem as demandas de uma amizade", disse ela à Folha.
Segundo Turkle, autora do livro "Alone Together", lançado no início do ano, nos EUA, a tecnologia mudou a nossa experiência de solidão.
"Para fazer uma reflexão, precisamos 'postar' nosso pensamento. Assim, não cultivamos a capacidade de ficar sozinhos, de refletir por nós mesmos."
Jelson Oliveira, professor de filosofia da PUC do Paraná, concorda.
"Não sabemos mais ficar sozinhos e buscamos nos ocupar a toda hora, como se ficar sozinho fosse perda de tempo. Ocupamos o silêncio com o barulho".

Colaborou IARA BIDERMAN

SOLIDÃO
AUTORES
 John T. Cacioppo e William Patrick
EDITORA Record
QUANTO R$ 52,90 (336 págs.)