4 de set. de 2013

Loucura alheia?


Hoje foi mais um dia complicado de tempos fraturados (usando termo usado pelo Eric Hobsbawm) onde tudo muda para não mudar nada.

Em minha loucura particular, mais uma vez demoro para levantar para ir trabalhar e ao sair encontrei algumas pessoas que sempre vejo em meus caminhos. E ao sair do elevador me deparo com a bela moradora do mesmo edifício com seu cão, e como de costume, ela está de cabeça baixa. Só a vejo falando com outros moradores que possuem seus "pets".
Logo em seguida já estou na avenida com seu trânsito semi-permanente durante o dia quando vejo aquela mulher que em seus piores dias está conversand sozinha, mas que hoje fala ao celular. Como é típico, ela fala alto e gesticulando e assim continua por vários minutos até passar o primeiro ônibus no ponto. Subo com ela e a conversa ao celular, meio sem pé nem cabeça, continua até chegarmos na Lapa quando salto para aguardar outro veículo.
Essa vizinha gosta de mulheres e hora ou outra está com alguma namorada andando ou discutindo pela região. É óbvio que sempre ouvi que a culpa para tal comportamento é a homossexualidade, mas tenho grandes dúvidas quanto a isso, acredito que o grande problema é a incapacidade de se relacionar devido a algum trauma ou neura. O desejo de se relacionar faz com que não largue o telefone e fale sozinha quando mais desesperada. 
Enquanto penso na situação dela, já estava na Praça da República e é ali que vejo um outro velho conhecido. Era aquele idoso que quase todas as manhãs tenta controlar o trânsito (ele de novo!) e o estacionamento entre a Praça e a rua do Arouche. Ele sempre está vestindo uniforme militar acompanhado de uma boina e óculos escuros. Mais uma vez me pergunto: o que o anima a fazer isso com tanta seriedade insana? Será que se aposentou e não tem o que fazer? Será que para não se sentir só depois de perder ou ser abandonado pela família utiliza o "trabalho" nas ruas para aplacar a tristeza?
Não sei a resposta para tais comportamentos e gostaria de ser um pouco mais cara de pau para me aproximar e perguntar, mas sou um tanto fechado para tal. Ao mesmo tempo, tenho também as minhas loucuras, que não são poucas também. É fato que como eles, tenho um buraco ou trauma que me faz não me relacionar amorosamente novamente como gostaria e também tenho a mania de prorrogar ao máximo a tomada de decisões ou voltar a discutir alguns tipos de questões, ou seja, em algumas questões sou um procrastinador nato.
E assim, lutando contra nosso próprio ser, todos vamos brigando contra a própria loucura, em busca de caminhos próprios para alcançar a felicidade tão almejada e por vezes tão distante, com a diferença que uns conseguem enxergar seus problemas e tentam mudar, buscam ajuda terrena ou divina, mas há tantos por aí totalmente perdidos, sem eira nem beira, vivendo nesse mundo que desenvolve coisas maravilhosas, sociedades e organizações mundiais, templos enormes para culto, mas não desenvolveu mecanismos de apoio, de resgate, de aproximação destes que cruzam nossos caminhos e muitas vezes fazemos de conta que não existem.

Nessas horas más, nesses dias tristes e vazios sempre me lembro da bela canção interpretada pelo Peter Gabriel e Kate Bush: D´ont Give Up. Segue o clipe (com baixa qualidade) em homenagem aos que sofrem e sozinhos estão.


7 de jul. de 2013

Grupo Vida Brasil: desmistificando a velhice

Fui finalmente visitar o Grupo Vida de Barueri, instituição que cuida de idosos da região metropolitana de São Paulo. A visita foi em um dia de Festa Junina.
Legal, né? Nem tanto. Pois decidi de última hora e não estava de fato muito a fim de ir lá, admito.

A caminho fui pensando nas palavras: Grupo Vida. Não é comum em nossa sociedade pós-moderna super competiva associar a palavra vida à terceira idade. Para muitos, pode ser um contrasenso dar um nome desses a uma instituição que cuida de idosos acima de 60 anos. Afinal de conta, aquelas pessoas estão, isto sim, é no fim da vida, não é?
Não é!
É claro que discordo da parte de mim que em algum momento pensou assim. e depois de passar uma tarde por lá, discordo mais ainda tanto de mim como de quem pensa assim de forma tão pequena e velha.

Aqueles senhores e senhoras ainda tem sede de viver, sede de vida. Claro que nem sempre o corpo e a mente permite, e são em momentos como os da Festa Junina que eles tem alguns momentos para viver de forma diferente daquela que são obrigados a viver o seu dia-a-dia onde para quase tudo precisam do outro. O outro nesse caso, não são seus familiares, parentes e amigos. O outro é composto pela equipe do Grupo Vida, profissionais que ganham para cuidar deles, para se relacionar com eles, uma vez que a sociedade não tem paciência ou amor para fazê-lo.

Mas vamos deixar de lado essa lenga-lenga e vamos à festa!


Logo ao ligarmos o som, começa a excitação! Os que andam passam a dançar, os que estão nas cadeiras de rodas balançam os pés e as mãos. Os que já não movem bem os membros, movem as cabeças ou apenas riem.
O poder da música e a vida em ação.

Em seguida, as barracas começam a se abrir, e quem são os primeiros a se dirigirem a elas? (Meu pai e eu, mas não vale, somos mortos de fome!) Mas logo depois de nós, lá estão os velhinhos em busca das comidas e bebidas nas barracas de alimentos. Mas não só. Eles também vão até as barracas de brincadeiras. Eles querem jogar argolas nas garrafas e bolas na boca do palhaço!
Como bons seres humanos que são, eles aproveitam para aprontar. Vejo dois senhores de cadeira de rodas, fumando um de frente para o outro. Me dizem que um deles deu um cigarro para o outro que não pode fumar, mas morre de vontade. Logo depois, uma senhora pede para eu buscar um cachorro quente para ela e quando o entreguei, ela o repassou para uma visitante na maior cara de pau (os visitantes recebiam um kit de fichas com número limitado de lanches, bebidas e brincadeiras e provavelmente a acompanhante já havia terminado e como os moradores podiam pegar quantos itens quisessem, a senhora de aproveitou da situação).
Quem vive se alimenta, brinca e quebra regras e normas.


Entretanto, o que mais ansiosamente esperam é pela cantoria e pela quadrilha! Os homens, normalmente mais amuados se postam em posição. Um deles, tira de uma sacolinha plástica seu pandeiro e desde aquele momento acompanha as músicas batendo-o devagar só aguardando a violeira ligar a viola no som picareta (faltam recursos). Quando a viola é ligada, mais homens se aproximam dos três cadeirantes e se postam logo atrás e não vêem a hora da música se iniciar.
É claro que a escolha musical recai sobre as famosas canções caipiras melodiosas e com força eles cantam Chico Mineiro, o Rio de Piracicaba e outros clássicos, cantadas sempre com a entonação máxima possível e com muita emoção revivem seu passado naquelas letras. Quase me esqueço de dizer que antes de uma das canções um dos homens, aparentemente o poeta do lugar, recita uma poesia, daquelas típicas que iniciam algumas canções. E todos em volta riem ou choram.
Novamente a música e a vida em ação.


E finalmente, chega o momento da quadrinha, e o casal que vai "casar" são chamados e preparados. O belo e sorridente casal se apresenta em suas cadeiras, se aceitam perante o velho padre e o noivo beija a noiva de sopetão sem ninguém esperar. Depois disso, são 13 minutos de dança da vida incansável, cheia de trapalhadas, chapéus caindo e voltando para as cabeças, gente entrando na roda, um idoso saindo bravo da roda e indo se sentar e uma das senhoras levantando a saia até a cabeça até a coordenadora encerrar a festa e dizer que os idosos precisam descansar....

Descansar que nada!
Enquanto parte dos visitantes se vai, muitos deles permanecem no mesmo lugar conversando ou ouvindo música enquanto desmontamos as barracas. Quando terminei de ajudar vou até uma imensa sala chamada "aconhego dos amigos da residência" lá estão boa parte dos velhinhos assistindo o jogo da seleção brasileira atentos e alertas. Fico um pouco e volta para o grande quintal e vejo uma velha senhora encostada na caixa de som, uma outra, que pouco vi se movimentar a tarde inteira estava lá brincando de estourar bolhas de sabão jogadas por uma menina, as duas rindo bastante.

Finalmente, depois de organizar tudo a equipe da instituição se reúne para uma foto quando uma das idosas que mais aprontaram (a que levantou a saia) aparece e também se postou para a foto.


É. Quem está vivo, está no Grupo Vida.


Visite o site e o Facebook do Grupo Vida Brasil, colabore e marque uma visita!










4 de jun. de 2013

Mulheres do Ceasa em poesia

Uma poesia pode trazer à mente a lembrança das idas aos Domingos à feira do CEASA (CEAGESP - Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo).

O que me vem à lembrança são as mulheres que aguardam o fim da feira ou as mulheres que no meio do tumulto ficam pedindo um trocado para comprar frutas, verduras ou legumes. Em minha lembrança não houve uma única vez que não vi tal cena, mesmo eu sendo costumeiramente obrigado a ir até lá a cada duas semanas. É o meu martírio dominical quinzenal.

Essas mulheres, algumas vezes a sós, ou acompanhadas de seus filhos ranhentos e mulambentos, se comportam como na poesia da Angélica Freitas que tirei de seu provocativo e também sensível livro "Um útero é do tamanho de um punho" (Cosac Naify, 2012).

Parece que ninguém gosta de vê-las, presumo até que ninguém as vê mesmo, afinal, quem quer ver uma mulher suja? Preferem apreciar as belas folhas verdes do espinafre, o brilho amarelado dos pimentões, o vermelho forte do tomate italiano ou sentir o perfume adocicado dos setores de frutas ou das flores.

Quem sabe através da poesia as pessoas voltem a ter amor ou ao menos, tenham a virtude de fazer de conta que amam (sobre isso, vale a pena a leitura da introdução do livro do André Comte-Sponville, "O amor").

Enfim, é a lírica copiando a realidade ou a realidade copiando a lírica? 

Recomendo a leitura do poema abaixo, e claro, uma visita ao Ceasa.





é o poema da mulher suja
da mulher suja que vi na feira
no chão juntando bananas
e uvas caídas dos cachos

tinha o rosto sujo
as mãos imundas
e sob as unhas compridas
milhares de micróbios

e em seus cabelos
longos, sujos, cacheados
milhares de piolhos

a mulher suja da feira
ela mesma uma fruta
caída de um cacho

era frugívora
pelas circunstâncias

gostava muito de uvas
mas em não havendo uvas
gostava também de bananas















30 de mai. de 2013

Mulheres e livros



Perfeita união.


É algo simplesmente maravilhoso. 





Veja alguns blogs desta união:

No Tumblr:

The Reading Girl! Clássicas:

As mais safadas:



É feriado, um pouco de besteira faz bem!

24 de mai. de 2013

O rei da solidão

Encontrei na mochila um velho conto escrito em algum momento de desvario. É um conto cruel e de tão cruel o autor criou um final feliz cruel de forçado.


Ele é o rei!

Do trono no centro de seu castelo inexpugnável e frio ele contempla seu passado. Passado que o levou até aquela posição. E do seu grandioso passado repleto de histórias insanas e trágicas, cuja vítima final era a si próprio, lembrou.

E relembra de uma bela acompanhante que encontrou em um orelhão do bairro oriental. A descrição de uma jovem loira o agradou e os custos envolvidos também eram atrativos para sua situação falimentar após o término de mais uma desastrosa paixão. Anotou o número e lá foi ele ao encontro da bela que não imaginara tão bela como realmente era, como era costume na propaganda naquele ramo de negócios.

Ao chegar ao nobre edifício em pedaços se dirigiu até o apartamento indicado e bateu na porta. Foi atendido surpreendentemente por uma loira magra (até demais lhe pareceu) de mais de um metro e setenta, peitos pequenos e cintura fina mas daquele formato de mulher que já tivera filhos. Ele certificou-se de seu nome fantasia e se dirigiram até um dos minúsculos quartos daquela república. A caminho, ela na frente também reparou no bonito andar e no bumbum também pequeno mas aparentemente durinho. Como dizem no ramo, pensou: me dei bem.

Chegando ao quarto havia somente uma pequena e velha cama e uma cômoda. Em seguida olhou e não conseguiu não notar o olhar triste e distante enquanto ela já se despia mecanicamente. Desde aquele momento ele a tratou como uma princesa e em troca deu e recebeu o que fora buscar.

O tempo passou num segundo e como naquele mundo os horários eram cronometrados aproveitou os minutos restantes para conhecer aquela princesa perdida.
Descobriu que moravam em cidades próximas daquela república do minuto, e mais, apenas três estações os separavam.
Ela também tinha uma filha pequena que amava muito, tanto que ao contar não resistiu, levantou-se, desfilou nua com dois passos até chegar à bolsa e mostrar as fotos da pequena princesa cujo pai a abandonou, fato que e a levou a tomar medidas extremas para manter a casa alugada, pagar a creche da menina e comprar roupas e alimento.
Ele também contou suas bobeiras e riram-se das próprias desgraças.

Mas o tempo, o maldito tempo, abreviou aquele encontro, no momento em que sobressaltada ela viu as horas no velho relógio Orient dele. Assim, ele se despediu com um beijo naquela rosto corado e perguntou se ela gostaria de sair com ele de "outra forma", recebendo um sim sem jeito, mas acompanhado de um sorriso que lhe parecia inesquecível.

Dias depois ele ligou para ela e começaram a conversar. De início ela não parecia acreditar no convite, mas ele disse que no final de semana iriam ao cinema e que ligaria de volta.
O fim de semana chegou, passou e ele não ligou.

Mesmo interessado naquela mulher ele enfrentou como pôde seus preconceitos contrários as chamadas mulheres da vida. Tentou argumentar contra sua mentalidade cristã dizendo que iria ser o salvador daquela alma pecadora. Usava argumentos absurdos e julgamentos idem em sua defesa, afinal de contas, como poderia um pecador salvar uma pecadora? Por fim, naquele emaranhado confuso que era sua mente naquele momento, pensou ter convencido a si próprio que o que importava era que se sentiu feliz junto daquela mulher e que valeria a pena avançar e a rever por muitos outros dias, e só ele beijá-la todos os dias em todos os horários possíveis.
De nada adiantou essa decisão, como vimos, pois nada fez para realizá-la.

Passados tantos anos ele já não se lembra muito bem daquele rosto e nem ao menos do nome verdadeiro que ela lhe dissera na primeira ligação após aquele encontro.
Seu agir fora cruel não só com a princesa do pequeno quarto, mas fora cruel com uma parte dele mesmo.
E mais uma vez, como era comum, ele sentiu aquela pontada rude e dolorosa em seu coração despedaçado por tantas más decisões e rompimentos.
E o grande rei permaneceu em seu trono de solidão imóvel relembrando outros amores perdidos até o dia que seu coração finalmente o abandonou.


Janeiro de 2012


Com pena de alma penada como esta fiz um final alternativo:

Mas de repente as batidas voltaram. Ele se levantou tempos depois um amor novo encontrou e radiante aquela mulher abraçou até o final de seus agora alegres dias nos campos da periferia de um reino de outro rei louco.

8 de mai. de 2013

Eu vi o fim do que já não existe mais


Ao mesmo tempo em que estamos em uma era de alta tecnologia, grandes conglomerados de consumo e comunicação e contatos instantâneos com pessoas e instituições possíveis através de um clique, há um movimento de substituição de antigas estruturas, serviços e tudo o mais.

Em tempos líquidos (termo retirado do onipresente Zygmund Bauman), o novo surge e destrona o velho com extrema velocidade. O que era verdade já não vale nada, pois não há mais verdades. É  tempo de extrema burrice e extremo avanço. 

Até quando será assim não sei, mas o que sei é o que vejo. 
E nestes dias eu vi:


Eu vi o fim dos serviços de entrega de produtos de limpeza em domicílio.

Hoje, terça-feira, dia 08 de maio de 2013, depois de anos vi um daqueles caminhões cheios de cândida, cloro, desinfetantes, vassouras e rodos.

Em cidades grandes como São Paulo, tudo se compra nos mega-hiper-supermercados e quem trabalha com esses caminhões está fadado a ficar desempregado e virar repositor de produtos nas grandes redes.


Também vi o fim das locadoras de vídeo.

Talvez a última locadora do bairro seja esta que visitei no último Domingo à tarde. A tristeza do ambiente e os últimos discos à venda no saldão trouxeram aquele sentimento de saudades ao peito. Saudade do primeiro aparelho VHS, do primeiro DVD-Player e também, vergonha, do primeiro filme pornô erótico que assisti na casa de um amigo quando morava na Aldeia de Barueri. O amigo era o cara, pois foi o primeiro a ter algo do tipo em casa.

Com o advento da Internet, do barateamento (falso, muito falso!) da TV a cabo e da facilidade de cópias de DVD's que ocasionou o surgimento de redes de bancas de CD's e DVD's pirateados aos poucos as locadoras deixaram de ser um dos centros privilegiados de entretenimento.

Ficam as dicas aos saudosos:
- para matar a saudade do velho VHS vale a pena assistir o filme "Rebobine, por favor". É só baixar o Torrent! risos.

- se estiver em São Paulo, não deixe de passar em uma das últimas redes de locadoras ainda bem das pernas.
Trata-se da 2001 Vídeo (http://www.2001video.com.br/midia/lojas.asp). A loja mais legal fica na Avenida Paulista.



Por último, eu vi o fim do reinados dos grandes galpões dos antigos bairros operários de São Paulo. Muito de fala dos galpões da Lapa, Brás e até da Vila Leopoldina, mas aqui no Jaguaré, de onde escrevo dia após dia vejo um deles ser derrubado para construção das onipresentes e cada vez mais altas torres residenciais (e agora comerciais).

Um dos últimos galpões é o desta foto onde aparece um dos prédios administrativos da falida Cooperativa Agrícola de Cotia (CAC).
Hoje, o negócio se transformou em um modorrento estacionamento, por sinal, é o estacionamento em cuja placa de divulgação além de vagas para carros, caminhões e ônibus também podem estacionar aviões!
Dizem que nesse terreno enorme será construído um novo Shopping Center. Mas acho que não vingará, pois atrás do terreno se encontra a favela Nova Jaguaré.
Bom seria se o terreno fosse desapropriado e reurbanizado com a criação de lotes de vários tamanhos para a construção da vila CAC e não mais um monte de prédios da CDHU, COHAB ou das grandes incorporadoras paulistas.

É.... Continuo sonhando, acho que não sou deste tempo ou lugar.....




1 de mai. de 2013

Leitor de livraria: um bibliotecário

Por William Okubo

Depois de algum tempo tomo coragem (ou vergonha na cara) e me ponho a escrever mais um artigo para o Blog da Companhia... Não. Não. Não se trata do charmoso Blog da Companhia das Letras, e sim do Blog da Companhia dos Maltrapilhos!

E eis que escrevo sobre a presença de um bibliotecário selecionador (que na falta de ânimo de selecionar para a Biblioteca onde trabalha seleciona para si próprio, um bibliotecário-leitor) em sua visita ritual a uma das grandes livrarias da paulicéia desvairada e atolada.

Foi ontem à noite a visita.

Depois da dupla jornada de trabalho (o número 1 e o free-la) fui até a Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em minha modesta opinião, um dos lugares mais maravilhosos para leitores desta cidade. Calma aí, também curto as bibliotecas, meu!


Mas voltando ao que interessa, cheguei e já fui atrás de alguns lançamentos. Peguei uns 8 livros e fui me sentar na área dos pufes. Como de costume, eu lia e observava ao redor. Já eram 20 horas e aquele lugar estava lotado e foi quando vi logo à minha frente uma moça encostada gostosamente em um pufe lendo "Vermelho amargo", do ótimo Bartolomeu Campos de Queirós. Logo pensei: garota de bom gosto! Voltei para os meus livros...
Minutos depois vi chegar uma amiga. Elas se beijam e do nada uma delas solta um latido bem fraco. Lógico que eu e outros clientes-leitores da vizinhança olhamos para elas. No primeiro momento não vi nada, mas não satisfeito deixei os livros de lado e fiquei olhando atentamente para as garotas até que vi um minúsculo cão no colo daquela que lia o Bartolomeu!
Sim, era um cãozinho poodle que havia latido e não a garota. E o mais incrível, o danado havia ficado quietinho por um longo tempo sob os lindos seios de sua dona.....
Claro, que mesmo depois da descoberta continuei olhando e ouvindo a conversa até os momentos finais quando escutei o seguinte diálogo:
- Queria um desses lá em casa! Disse a amiga da voraz leitora.
- Eu também! disse uma outra leitora-cliente já seduzida pelas patinhas do bicho que batiam em suas costas.
- Auuu! Latiu por fim o cãozinho.
Cansado de cena tão cheia de fofura, peguei o celular e tirei a foto que acompanha o relato. Prova de que não é um conto da carochinha isto que vos escrevo....

Não poderia terminar sem dizer: como não amar um local que permite a entrada de pessoas com seus bichos de estimação e que dá liberdade para você pegar quantos livros quiser, fotografá-los livremente como fiz, deixá-los jogados a seus pés ou sob sua mochila fedorenta? É. As bibliotecas públicas precisam não copiar tal sistema mas buscar formas de trazer o aconchego que as livrarias disponibilizam a seus clientes-leitores.


Em tempo, vejam também as fotos dos bons livros que xeretei e indico!

Biografia do Casagrande (comprei!) e novo do Coetzee

Análise das poesias do Mário sobre São Paulo



Livro policial de texto muito, muito gostoso!


Depoimento do Museu da Pessoa em livro, com apresentação de  "famosos" (hahaha)

6 de dez. de 2012

Niemeyer e Tia Ester: saudades...

A madrugada de ontem e o dia de hoje trouxeram duas mortes.

A primeira já foi comentada o dia todo e não tenho nada a acrescentar a tudo que foi escrito e continua a se escrever.

Em relação a segunda, a história é diferente.

A Tia Ester é uma desconhecida até mesmo para mim, entretanto, ela era muito citada pela minha mãe e suas irmãs e irmãos. Morava em Pernambuco, mais especificamente na cidade de Arcoverde, no agreste do Estado e foi companheira inseparável de sua irmã, a Tia Olindrina. Esta mais velha que a primeira, ficou sem sua grande companheira depois de cerca de 80 anos de convivência com sua irmã 10 anos mais nova.

Durante a manhã de hoje a emoção acompanhava minha mãe, que como outras quatro irmãs que moram aqui em São Paulo se hospedaram quando moças na casa das Tias Solteironas.
Sim, quando uma mulher na família Viana Dutra demora para casar logo é comparada as duas inseparáveis tias beatas. Sim, elas são (eram) beatíssimas. Em sua última e única visita a elas há poucos anos atrás minha mãe me disse que elas continuavam a maior parte do dia a rezar e rezar.

E como é típico no lado nordestino da família, minha mãe começou a contar uma história, com lágrimas nos olhos naquele tom nostálgico e fala arrastada (nesses momentos o sotaque retorna com mais força):
Perdi a minha tia!
Quando morava com elas (quando moça ela teve que sair da casa da família devido a problemas com a madrasta), a Tia Olindrina, que era mais velha, já era muito católica e não nos deixava sair. Mas eu a Tia Ester costumávamos sair escondidas para ir passear na praça onde ficava o cinema... Minha tia era muito bonita. Também tinha um soldado que gostava dela, mas mesmo assim elas nunca namoraram! 
Vieram somente trechos, mas trechos representativos da sua memória. Memórias íntimas, como alguns tem memórias íntimas também do Niemeyer.
Oxalá a memória de todos que partem fosse tão bem celebrada como nesses dois casos.

Lógico que no pessimismo típico da minha mãe ela encerrou assim: daqui há pouco se vai a Tia Olindrina, depois a Firma (esposa de um tio que mora no Mato Grosso) e eu!

Pois é, tenho a quem puxar em pessimismo e no tom "reclamão" em alguns, ou vários, momentos.

5 de ago. de 2012

Encontro com o professor de xadrex

Metaficção elevada a cargas elevadas de potência

Acabara de ler na manhã daquele dia o conto Tólia do Ricardo Lísias, presente na coletânea da Granta. O texto é um tanto estranho, mas essa estranheza me chama sempre a atenção.
E lá estava eu entre as estantes quando me chamam e há uma pessoa procurando os livros do Monteiro Lobato. Lá fui eu em busca do 869.33 L. Claro que me enganei, pois o Loba
to fica no 869.34 L. Era para ser 33, por ele ter nascido no século XIX, mas o dito cujo só publicou no século XX, logo é 34! Mas biblioteconomia à parte, encontrei o livro e bem perto dos livros do meu ainda autor preferido passei pelos outros romances do Lísias e ao citá-lo o sujeito me disse: conheço ele! sou o professor de xadrex dele!
- Acabei de ler o conto da Granta, você já viu? Perguntei.
- Claro! Eu sou o professor de xadrex do livro. Respondeu.
- Mas não exatamente como está lá.
Em seguida ele me deu algumas explicações, me indicou alguns livros, sugeriu a compra de alguns autores que gosta e nos despedimos. Ao deixá-lo em meio às estantes saí estupefato, achando que de alguma forma eu estava adentrando no conto, obtendo outra versão da história contada pelo personagem... ou pelo Ricardo Lisias!
O relato parece sem pé nem cabeça. Mas tem explicação. Como o conto mistura realidade e ficção, o personagem fictício apareceu na biblioteca como sujeito real e eu, sujeito real, por um momento pensei ser ficção.
Para finalizar, como eu sempre digo: eu ganho pouco mas me divirto!

3 de mai. de 2012

Amor cego

Eclethion vivia em uma tremenda fossa.
Há meses terminara um relacionamento complicado e além de enfrentar a solidão, sua velha companheira, também estava zerado financeiramente. Sua última paixão havia levado seu pequeno saldo bancário ao limite do cheque especial e seus cartões de crédito estavam bloqueados para novos gastos. Aquilo era uma fossa ou o fundo do poço?
Restou-lhe navegar na Internet para passar o tempo e procurar por novas aventuras, pois também se distanciara de seus amigos durante o infeliz relacionamento.
E foi no hoje velho Orkut que encontrou uma bela e misteriosa loira: 1m65 de altura, cabelo lisinho, pele clarinha sem marcas (pelo menos as áreas disponíveis nas fotos compartilhadas), professora e moradora da cidade litorânea de São Sebastião (é mano, agora que ele iria semana sim, semana não, à praia!). Detalhe: julgou-a misteriosa porque em suas fotos não mostrava o rosto.
Logo, começaram a conversar via MSN e em seguida também por telefone. E nada da danada revelar sua suposta linda face. O máximo que mostrara certo dia foi sua boca. Ah, que lábios, relembrava ele! Mas não havia do que reclamar, afinal, quem vê cara não vê coração e ele sentia que aquele coração era lindo.
Sim, acredite, ele se apaixonara pela mulher sem face!
Durante as conversas, faziam planos sobre o primeiro encontro, o segundo, o terceiro e tantos mais.....
Viveram, à distância, momentos de entrelaçamento profundo. Tanto que certo dia, o pai dela falecera e ela ligou para ele chorando e ele chorou junto.
Parecia que o dia do encontro chegaria cedo e ele poderia consolá-la em seus braços, enxugar de seus rosto suas lágrimas... Eclethion era um romântico.
Dias depois, ela enviou a primeira carta, não uma simples carta, mas uma carta perfumada! Logo, ele percebeu que ela curtia perfumes importados. E foi logo comprando na primeira loja virtual que encontrou o perfume preferido dela. E claro, descobriu que ela gostava de homem perfumado, e foi logo comprando seu primeiro perfume importado. Era um Hugo Boss. E lá foi ele escrever uma carta perfumada também... 
O romance avançava e começou a enviar mais presentes: flores, bombons e mais flores e mais bombons. Escreveu algumas cartas em formato de diários demonstrando que não parava de pensar nela.
Foram momentos inesquecíveis para ele, que não notou que ela, apesar dos agradecimentos, pedia para não enviar tantos presentes. Enquanto ele se aproximava, enviando mensagens e mais mensagens SMS e presentes, ela se afastava. Até que um dia ela pediu para ele se cuidar e procurar um psicólogo, pois ele era muito carente. Ele não a ouviu, mas sentiu finalmente o afastamento. Afastamento que só aumentou nos dias seguintes até ela desparecer de sua vida sem ter nunca revelado sua misteriosa face.
Eclethion manteve-se endividado, solitário e triste.
Mas desde aquela época passou a usar perfume importado e anda cheiroso por aí, espreitando por novas confusões amorosas!